Veja exemplos de como aplicar a ‘concordância ideológica’
1ª) Observação do leitor: Em “Por mais que os brasileiros estejamos anestesiados com tantos casos de corrupção…”, a concordância do verbo está correta? Ora, o sujeito (os brasileiros) está na 3ª pessoa do plural (eles). A frase correta seria “…os brasileiros estejam…”, a menos, é claro, que o verbo fosse antecedido por “nós, os brasileiros”. Essa estranha mescla seria um novo estilo? Ou a inovação não passa de mero modismo?”
Segundo a lógica gramatical, você tem razão. Se o sujeito (=os brasileiros) está na 3ª pessoa do plural, o verbo deve concordar na 3ª pessoa do plural (=estejam).
O que você chamou de “estranha mescla” é uma figura de estilo chamada silepse. É uma figura de sintaxe em que a concordância é feita com uma ideia subentendida, e não segundo a lógica gramatical. É também conhecida por concordância ideológica. No caso em questão (=os brasileiros estejamos), há uma silepse de pessoa (= 3ª pessoa com 1ª pessoa). O verbo está concordando com a ideia subentendida (= nós, os brasileiros; eu também, porque sou brasileiro). É o mesmo caso de “Todos decidimos adiar as provas”, ou seja, subentende-se “todos nós; todos inclusive eu”. Segundo a lógica gramatical, seria “Todos decidiram adiar as provas”.
2ª) Fala, leitor: “Como eu continuo a aperfeiçoar o meu português, estou enviando mais uma pergunta. Na frase “Napoleão, como fossede baixa estatura, chamavam-lhe os seus soldados o nosso pequeno corporal”, o uso do pretérito imperfeito do subjuntivo está correto?”
Meu caro leitor, sua dúvida procede. Como Napoleão era realmente baixo, é um fato e não uma hipótese, devemos usar o modo indicativo em vez do subjuntivo. Assim sendo: “Napoleão, como era de baixa estatura, chamavam-lhe os seus soldados…”
3ª) Leitora quer saber: “Qual é a forma correta para um material revestido de borracha: aborrachado ou emborrachado? Certa de que seria emborrachado, fui ao Aurélio e ao Michaelis, e, para minha surpresa, emborrachar só aparece com a definição de embriagar-se. Seria, então, aborrachado, como acolchoado, aveludado…?”
Minha querida leitora, nada de conclusões apressadas. Não há registro de “aborrachado” no dicionário Michaelis, nem no novíssimo Aurélio, nem no Vocabulário Ortográfico da ABL. Quanto ao emborrachado, os dicionários mais antigos só registram o sentido de “embriagado”, mas a última edição do dicionário Aurélio já apresenta o adjetivo emborrachado nos dois sentidos: “embriagado” e “revestido de borracha”.
Portanto, já podemos comemorar o nascimento do “emborrachado” no sentido de “revestido de borracha”. Mas não é por isso que vamos nos emborrachar.
4ª) Comentário de outra leitora: “Não sei como foi comentada a concordância nos painéis informativos da CET-Rio, onde se lê: Condições do trânsito: BOM, LENTO etc.”
O trânsito pode estar BOM ou estar LENTO. As condições do trânsito podem estar BOAS, mas as condições jamais estarão “LENTAS”.
Apesar do seu rigor, o registro está feito.
O uso da língua nem sempre segue regras rigorosas. Um pouco de flexibilidade faz bem. O subentendido faz parte do uso da língua portuguesa no Brasil. Se assim não fosse, ninguém “ligaria o ar”. Se alguém não entendeu, é bom lembrar que, no Brasil, “ligar o ar” é perfeitamente entendido. Não preciso pedir que “se ligue o aparelho de ar-condicionado”.
Não conformidade ou Não-conformidade?
Crítica de uma leitora: “Há tempos aprendi. Quando o “não” ligar-se a um substantivo, usamos hífen: não-conformismo, não-intervenção, não-flexão, não-pagamento, não-quitação; quando o “não” ligar-se a um adjetivo, não usamos hífen: não descartável, não durável, não flexionado, não resolvido…
Assim sendo, devemos usar não-conformidade, pois conformidade é substantivo.
Como explicar o não-governamental?”
Essa “regrinha” nunca foi muito respeitada. Na verdade, o Vocabulário Ortográfico da ABL e os nossos dicionários apresentavam vários adjetivos com hífen: não-engajado, não-esperado, não-formatado, não-verbal…
Agora o problema acabou: segundo o novíssimo VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), publicado pela Academia Brasileira Letras após o novo acordo ortográfico, NÃO HÁ HÍFEN após o elemento NÃO usado como prefixo.
Assim sendo, todas as palavras formadas com o elemento NÃO devem ser escritas SEM HÍFEN: não conformidade, não agressão, não pagamento, não fumante, não governamental…
DESAFIO
Qual é a forma correta?
“As estradas estão…
a) mal conservadas;
b) mal-conservadas; ou
c) malconservadas.”
A resposta correta é MALCONSERVADAS (tudo junto, sem hífen).
Quanto ao uso de MAL como prefixo, o novo acordo manteve a regra antiga: só há hífen se a palavra seguinte começar por H ou VOGAIS: mal-humorado, mal-amado, mal-educado, mal-intencionado.
Com as demais letras, devemos escrever sem hífen: malconservado, malcriado, malformado, maldizer, malpassado, malmequer…