Precisão e adequação vocabular - Parte 2 - Língua Portuguesa



Precisão e adequação vocabular - Parte 2 

21. COMPROMISSADO ou COMPROMETIDO?

A frase é: “O nosso prefeito sempre esteve compromissado com a verdade.”
O correto é: “O nosso prefeito sempre esteve comprometido com a verdade.”
Ultimamente, os nossos políticos só andam “compromissados” com a verdade, porque comprometidos, que é bom, nem pensar… E muito menos com a língua portuguesa. Ora, o particípio deriva do infinitivo. O particípio é comprometido porque deriva do verbo comprometer, e não do substantivo compromisso. É comprometido, da mesma forma que remeter é remetido, e não “remessido”; prometer é prometido, e não “promessido”; cometer é cometido, e não “comessido”.
Pior ainda foi aquele político que disse ter nascido na Bahia e ter sido concebido na Santa Casa. Nascer num hospital é fato normal, mas ser concebido?! É, no mínimo, um estranho lugar para alguém ser concebido. Em todo caso, hoje em dia tudo é possível. São tantas as fantasias…

22. CICLO ou CÍRCULO? e PORCAMENTE ou PARCAMENTE?

A frase é: “Estamos vivendo num ciclo vicioso.”
O certo seria: “Estamos vivendo num círculo vicioso.”
É muito frequente confundirmos ciclo com círculo. Isso se deve, provavelmente, à semelhança. O problema é que ciclo se refere a “período”: “ciclo do ouro”, “ciclo das grandes navegações”… No caso, estamos no referindo ao fato de os problemas não terem fim. É um círculo cheio de vício, porque se repete muitas vezes e não acaba nunca.
Confundir palavras parecidas é sempre perigoso. Isso me faz lembrar aquele sujeito que faz pose e afirma: “Ela fala mal e porcamente”. Pelo visto, estamos na lama… É muita sujeira! É bom saber que esse tal “porcamente” era para ser “parcamente”. Vem de parco, que significa “pouco, escasso, minguado”. “Falar mal e parcamente” significa “falar mal e pouco, poupar palavras, falar moderadamente”.

23. LARGO ou COMPRIDO?

A frase é: “Caminhava a passos largos para o título de bicampeão.”
O mais adequado seria: “Caminhava a passos compridos (ou longos) para o título de bicampeão.”
A expressão “a passos largos” já está irreversivelmente consagrada em português. É um caminho sem volta. Mas, vale a pena lembrar que “largo”, em português, significa “amplo”. Daí a largura. Os pés podem ser largos, mas não os passos, que podem ser “compridos ou longos”. A expressão “a passos largos” provavelmente é de origem espanhola, pois, no espanhol, largo significa “comprido” e ancho é “largo”.
Outro caso curioso é o chavão: “Brasil perdeu em pleno Maracanã”. “Pleno” significa “cheio, completo”. Em pleno Maracanã quer dizer que o Maracanã estava lotado. Hoje em dia, porém, é frequente ouvirmos nossos jornalistas esportivos usarem “pleno” com o sentido de “em seu próprio estádio”, “em sua própria cidade”. Não há, portanto, a intenção de se fazer referência à lotação do estádio. Às vezes, a expressão “em pleno Maracanã” é usada mesmo com o estádio vazio. Isso me faz lembrar o plenário da Câmara dos Deputados, que está sempre “cheio”…

24. UM FÍGADO ou O FÍGADO? UMA FRATURA ou FRATURA?

A frase é: “O paciente teve um fígado afetado.”
O correto é: “O paciente teve o fígado afetado.”
Pelo visto, o tal paciente tinha mais de um fígado. Ter dois ou três fígados, certamente é uma anomalia. O mau uso dos artigos é uma constante. Com alguma frequência podemos observar o uso desnecessário do artigo indefinido: “O Prefeito vai encaminhar um outro projeto de lei” e “Para ficar na empresa, o gerente havia exigido um aumento salarial”. Bastaria dizer que “o Prefeito vai encaminhar outro projeto de lei” e que “O gerente havia exigido aumento salarial”.
Em “Exame não confirma uma fratura”, temos uma curiosidade. Se a intenção era dizer que não houvera fratura alguma, o artigo é desnecessário. Bastaria dizer: “Exame não confirma fratura”. Por outro lado, se o exame não confirma “uma” fratura, eu poderia entender que houve mais fraturas, ou seja, não confirmou uma única fratura, e sim duas ou mais. Nesse caso, “uma” não seria artigo indefinido, e sim numeral.

25. EPIDEMIA ou EPIZOOTIA?

A frase é: “Os animais morreram devido à epidemia.”
O mais apropriado é: “Os animais morreram devido à epizootia.”
É inadmissível um médico-veterinário confundir epidemia com epizootia. O elemento “demos” vem do grego e significa “povo”: democracia (=governo do povo), demagogia (=levar, conduzir o povo), demografia (=descrição do povo)… Epidemia é “doença que surge rapidamente num lugar e acomete, a um tempo, grande número de pessoas”. Pessoas e não animais. Epizootia é “doença, contagiosa ou não, que ataca numerosos animais ao mesmo tempo e no mesmo lugar”. É bom não esquecer que o elemento grego para “animais” é “zoo”, daí a zoologia, o zoológico, o protozoário…
Você sabe qual é a diferença entre endemia, epidemia e pandemia? Endemia é uma doença que constantemente atinge determinada região. Epidemia é a doença que surge rapidamente numa região e atinge um grande número de pessoas; e quando a epidemia é generalizada, espalha-se por todas (=pan) as regiões, temos uma pandemia. É o caso da gripe suína.




26. BOMBEIRO INÚTIL ou SACRIFÍCIO INÚTIL?

A frase é: “Foi o sacrifício de um bombeiro inútil.”
O mais adequado é: “Foi o sacrifício inútil de um bombeiro.”
Em nome da clareza, devemos tomar muito cuidado com a colocação dos termos na frase. É sempre mais seguro o adjetivo acompanhar o substantivo a que se refere. Um adjetivo mal colocado pode causar mal-entendidos. O bombeiro herói foi transformado em alguém inútil.
Uma loja popular anunciava: “Roupas para homens de segunda mão”. É óbvio que de segunda mão eram as roupas. Eram roupas usadas para homens. Afinal, nunca vi uma loja especializada em roupas para homens “já usados, não virgens”!!!

27. ACABA COM ou ACABA EM?

A frase é: “Sequestro acaba com dois mortos e três feridos.”
Melhor seria: “Sequestro acaba em dois mortos e três feridos.”
“Acabar com dois mortos e três feridos” é confuso e paradoxal. Que significa “acabar com dois mortos”? E “acabar com três feridos” significa execução e morte? O fato é que, quando o sequestro acabou, havia dois mortos e três feridos. A confusão se deve a dois “culpados”: o “ambíguo” verbo acabar e a preposição “com” indevidamente usada em lugar de “em”.
Cuidado com o excessivo uso do verbo tirar. Hoje em dia, tiramos título de eleitor, tiramos pressão, tiramos impressões digitais… Se continuar assim, em breve não teremos mais nada!!! Ora, na verdade, nós só tiramos o título de eleitor da gaveta quando vamos votar. Quando alguém não tem o título de eleitor, em vez de tirar, é melhor solicitar sua confecção no órgão competente. Quanto à pressão, é melhor medi-la. Se “tirar a pressão”, você corre o risco de morrer. E, por fim, tirar as impressões digitais certamente causará muita dor!!!

28. PRECISAMENTE ENTRE ou ENTRE?

A frase é: “Os assaltos aconteceram precisamente entre as 18h e as 20h.”
O adequado é: “Os assaltos aconteceram entre as 18h e as 20h.”
O advérbio precisamente significa “com precisão”. Só podemos utilizá-lo quando se quer precisar algo, quando é necessário determinar a hora com exatidão. Se a ideia não for precisa, podemos usar o advérbio aproximadamente ou expressões do tipo “por volta de”, “em torno de”: “O assalto aconteceu aproximadamente às 18h”.
Por outro lado, também é inadequado usar o advérbio aproximadamente quando o número for preciso: “Compareceram ao encontro aproximadamente 453 pessoas” ou “A reunião começou aproximadamente às 15h17min.” Agora sim poderíamos usar os advérbios precisamente ou exatamente: “Compareceram ao encontro precisamente 453 pessoas” e “A reunião começou exatamente às 15h17min”.

29. A PARTIR DE ou DESDE?

A frase é: “Ele é nosso empregado a partir de janeiro de 1996.”
O correto é: “Ele é nosso empregado desde janeiro de 1996.”
Não devemos usar a expressão “a partir de” quando a referência for a tempo passado. Para isso, temos a preposição “desde”: “Ele está morando no Rio de Janeiro desde 1973”. Só usaremos a expressão “a partir de” se a referência for a tempo presente ou a tempo futuro: “O contrato está valendo a partir de hoje”; “Ele será nosso empregado a partir do próximo mês”.
Um grande empresário teria começado sua fala assim: “Desde que sou pequeno…” Isso só seria possível se alguém, depois de ser grande, foi decrescendo, até ficar pequeno… Talvez um gigante que tenha ficado anão!!! É lógico que o nosso humilde empresário se referia ao desempenho econômico da sua empresa, que já tinha sido uma grande potência, mas agora se tornou pequena no mercado.

30. EM BENEFÍCIO DE ou CONTRA?

A frase é: “A campanha é em benefício da criminalidade infantil.”
O adequado é: “A campanha é contra a criminalidade infantil.”
Só louco faz campanha “em benefício” da criminalidade infantil. Seria uma campanha “a favor”!!! Certamente a tal campanha era contra a criminalidade infantil. É interessante observar também que a expressão “criminalidade infantil” é ambígua, pois podemos dar duas interpretações: crimes cometidos contra crianças ou crimes cometidos por crianças.
Por falar em ambiguidade, é bom lembrar aquela frase típica de jornalista esportivo: “Técnico espera o adversário retrancado”. Quero saber quem jogará retrancado. Qual dos dois times: o do técnico ou o do adversário? O técnico vai pôr o seu time na retranca e esperar o adversário ou o técnico espera (=supõe) que o adversário vá jogar na retranca?




31. JUSTAMENTE ou PRECISAMENTE?

A frase é: “A bomba caiu justamente no Hospital da Cruz Vermelha.”
É mais adequado: “A bomba caiu precisamente no Hospital da Cruz Vermelha.”
Não é uma questão de certo ou errado. O advérbio justamente pode significar “precisamente, exatamente”, mas pode provocar mal-entendidos, pois pode significar também “com justiça”. É claro que não era a intenção de quem escreveu a frase. É óbvio que ele não queria dizer que foi justo a bomba cair no hospital, que a queda da bomba tenha feito justiça. Em razão disso, em situações como essa, o melhor é evitar o advérbio justamente e usar precisamente ou exatamente.
Frases ambíguas são sempre perigosas. Imagine o seguinte comentário a seu respeito: “Você foi justamente substituído pelo seu maior inimigo”. Observe que a frase admite duas interpretações: que você foi substituído precisamente pelo seu maior inimigo ou que você foi substituído com justiça pelo seu maior inimigo. Não sei o que é pior.

32. TERMINAR ou ACABAR?

A frase é: “O diretor terminou de chegar para a reunião das 10h.”
É melhor: “O diretor acabou de chegar para a reunião das 10h.”
Devemos evitar o uso do verbo terminar mais infinitivo. Em vez de “terminou de chegar”, é melhor “acabou de chegar”; em vez de “terminou de escrever um livro”, é preferível “acabou de escrever um livro”.
O verbo acabar também merece uma observação. Devemos evitar o uso do verbo acabar com os verbos começar, iniciar, terminar ou com o próprio verbo acabar. Observe que construções estranhas: “O jogo acabou de começar”; “O filme acabou de terminar”. Pior ainda é a aula que “acabou de acabar”.

33. CUSTAS ou CUSTO?

A frase é: “Recebeu uma ajuda de custas.”
O certo é: “Recebeu ajuda de custo.”
Toda ajuda é de custo. Você pode receber uma ajuda para pagar as custas de um processo, mas não existe “ajuda de custas”.
Qual é forma correta? “Ele vive às custas do pai ou Ele vive à custa do pai”? Embora seja usual e alguns autores já aceitem, a locução prepositiva “às custas de” deve ser evitada. É preferível seguir a tradição: “Ele vive à custa do pai”.

34. CERCA DE ou ???

A frase é: “Respondeu a cerca de 43 perguntas.”
O adequado é: “Respondeu a 43 perguntas.”
Não devemos usar “cerca de” para números exatos ou quebrados. Foram “precisamente ou exatamente 43 perguntas”. Só podemos usar “cerca de, por volta de, em torno de, aproximadamente” com números redondos: “Respondeu a cerca de cem perguntas”; “Eram em torno de 500 candidatos”; “Estavam presentes aproximadamente dez mil manifestantes”.
Devemos tomar muito cuidado com os números. Comparações exageradas podem prejudicar a clareza da frase: “Com o dinheiro do prêmio daria para comprar 350 escritórios na Avenida Paulista”. Confesso que imagino ser muito dinheiro, mas não tenho ideia da quantia. Você saberia me dizer se um apartamento onde coubessem dez milhões de caixinhas de fósforo é grande ou pequeno. Nem eu.

35. CHANCE ou RISCO?

A frase é: “A chance de ele ser condenado é enorme.”
O adequado é: “O risco de ele ser condenado é enorme.”

Não devemos usar “chance” para coisas negativas. Chance e oportunidade são palavras de carga positiva: “Ele tem a chance de ser absolvido”; “Finalmente, eles têm a oportunidade de serem os campeões”. Para coisas negativas, a palavra “risco” é mais apropriada.

Outra palavra de carga negativa é o verbo “tachar”. Você já viu alguém ser “tachado” de herói, de craque ou de inteligente? É óbvio que não. Quando alguém é tachado, pode esperar coisa ruim: “tachado de corrupto, de burro, de perna de pau, de ladrão…”